Terreiros denunciam ao MPE racismo e homofobia em Delmiro Gouveia
Durante visita de equipes da FPI do São Francisco, pais e mães de santo ainda relataram falta de apoio do poder público para combater casos de preconceito
Fonte: Gazetaweb - Por Michaelle Pereira*
Pais e Mães de santo denunciam preconceitos sofridos pelos praticantes das religiões de matriz africana Foto: Reprodução/Gazetaweb
A FPI do São Francisco visitou Pais e Mães de Santo, no terreiro de Mãe Érica Aparecida Santos, o Ilê Axé D´abalaxé Alayê Odé Erinlé Nófádêmírêfãn, no município de Delmiro Gouveia (AL). Na ocasião, as equipes ouviram denúncias de racismo religioso, homofobia e casos de omissão do poder público.
As Casas de Terreiro são espaços de conservação da tradição e memória do povo negro escravizado, sua preservação é essencial para a história do povo brasileiro, buscando fortalecimento, respeito e visibilidade para as religiões de matriz africana, que cultuam elementos da natureza, sendo importantes parceiros na preservação do meio ambiente.
O encontro ocorreu por iniciativa da Equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural, a fim de promover uma escuta qualificada dessas personalidades, que representam anseios de uma comunidade que resiste à força do preconceito para manter suas tradições, a memória de seus ancestrais e a liberdade de culto.
Na ocasião foram muitos os relatos de racismo religioso e como essa prática ameaça a própria existência das casas de terreiro. Também foram relatadas dificuldades encontradas pela comunidade para obter autorização para uso de espaços públicos para promover eventos culturais voltados à desmistificação em torno das práticas religiosas dos terreiros e a falta de empenho do poder público em combater o preconceito enfrentado.
Além dos relatos de racismo religioso, houve também destaque para os casos de homofobia que membros das Casas de Terreiro sofrem, seja em conjunto com a intolerância religiosa ou não.
Durante a visita, foram relatadas dificuldades encontradas pela comunidade para obter autorização para uso de espaços públicos para promover eventos culturais voltados à desmistificação em torno das práticas religiosas dos terreiros e a falta de empenho do poder público em combater o preconceito enfrentado.
Casos de dificuldade em realizar rituais sagrados nas águas do rio foram mencionados também. As pessoas que frequentam esses espaços não sabem que se trata de solo e água sagradas para as religiões de matriz africana e desconhecem os atos ritualísticos e sua integração com o meio ambiente.
Pela FPI estiveram presentes ao encontro os componentes da Equipe 10, o Ministério Público Federal (MPF), a Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) e o Instituto do Meio Ambiente (IMA).
Pelo Ministério Público Federal, o procurador da República Érico Gomes e o antropólogo Ivan Farias informaram sobre a atuação da instituição na defesa dos povos tradicionais e, também, das questões de gênero, esclareceram sobre direitos que a Constituição do Brasil lhes garante e se colocaram à disposição para contribuir naquilo que fosse possível ao MPF.
Elis Lopes Garcia, representando a Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais, falou sobre políticas públicas que já existem para as comunidades de terreiro, destacando que poucas pessoas conhecem tais benefícios ou têm medo de assumir que professam religiões de matriz africana e apresentou sugestões de ações que podem contribuir para o fortalecimento e reconhecimento público dos terreiros.
Já o historiador Maicon Marcante e a arqueóloga Rute Barbosa, pelo Iphan, apresentaram alguns dos projetos que buscam a preservação da memória do povo preto do Brasil e sugeriram que fossem identificados e mapeados terreiros por todo município de Delmiro Gouveia, com o objetivo de preservá-los. Também trataram do processo de tombamento da Coleção Perseverança pelo Iphan, a qual é composta por objetos roubados de terreiros na perseguição religiosa de 1912 e se constitui em um dos principais documentos para a memória das religiões de matriz africana de todo o Estado de Alagoas.
Terreiros denunciam ao MPE racismo e homofobia em Delmiro Gouveia - Foto: Divulgação/Assessoria
Pais e Mães de Santo demonstraram muito interesse no viés educacional promovido pelo IMA para garantir que as novas gerações compreendam a importância da conservação do meio ambiente para a preservação dos rituais sagrados. O IMA esteve presente representado pela gestora ambiental Mirella Cavalcanti.
Para Tiego Gomes, afrorreligioso e membro da Comissão Geral da I Caminhada de Combate ao Racismo Religioso em Delmiro Gouveia - AL, “esse encontro é sem dúvidas um marco histórico, reunimos representantes de seis terreiros e pela primeira vez o povo de santo de Delmiro Gouveia pode expressar suas demandas de forma direta às autoridades de Estado, colocando os desafios de ser afrorreligioso no sertão alagoano, e as inúmeras violências e formas de resistência de nossa comunidade. Articulações como essa demonstram a importância da FPI no trabalho de escuta de minha Comunidade Tradicional de Terreiro, para a garantia de direitos constitucionais e valorização de nossas tradições, junto à luta pelo combate sistemático ao racismo e racismo religioso no alto sertão de Alagoas, pela defesa de um Estado de direito, laico e inclusivo para todos”.
O encontro foi considerado um sucesso pelo procurador da República Érico Gomes, que aproveitou para explicar mais sobre suas atribuições. "É uma das missões do MPF a defesa das comunidades tradicionais, e, em Alagoas, temos um gabinete que se dedica a estas demandas, que são muitas no estado, mas percebe-se que os povos de terreiro não têm muita aproximação com a instituição e buscamos esse encontro para que saibam que têm no MPF um aliado na defesa da liberdade de culto e preservação das tradições e memórias ancestrais”, destacou Érico Gomes.
Com Assessoria*
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