28 de julho de 2018: 80 anos de morte de Lampião, o Rei do Cangaço, na Grota de Angico
O município de Pão de Açúcar não pode ficar de fora da fascinante história do cangaço

Fonte: Por Redação

O município de Pão de Açúcar não pode ficar de fora da história do cangaço Foto: Reprodução/Google
O dia 28 de julho de 1938 ficou conhecido na história como a data em que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, sua companheira Maria Bonita e mais nove integrantes do cangaço (Luiz Pedro, Quinta-Feira, Colchete, Enedina, Marcelha, Mergulhão, Moeda, Alecrim e Elétrico), além do soldado “ Adrião”, que tinha o nome de Adriano Pedro de Souza, foram assassinados durante intenso tiroteio na Grota de Angico.
Segundo depoimentos de historiadores, ex-soldados das volantes combatentes e ex-cangaceiros, o fato ocorreu por volta das cinco horas da madrugada, no momento em que os cangaceiros estavam acordando.
Neste relato sobre o Cerco de Angicos, constante no livro Histórias e Efemérides, do autor Aldemar de Mendonça, segundo narração feita pelo Capitão Moacir Vieira Nunes, Joca Bernardo e Antonio Correia, o plano para matar o Rei do Cangaço e seus jagunços surgiu a partir de delações de apadrinhadores ou coiteiros, os quais foram forçados, sob ameaças de policiais, a confessarem sobre o esconderijo de Lampião e seus comparsas.
No lugar denominado Angicos, Estado de Sergipe, a Polícia de Alagoas esfacela o Grupo de cangaceiros chefiados por Lampião. A força da polícia tinha como comandantes, o Capitão João Bezerra, o Aspirante Francisco Ferreira de Melo e o Sargento Aniceto Rodrigues.
Aproximadamente no dia 17 de julho de 1938, a volante comandada pelo sargento Zé Calu, da Polícia de Alagoas, sustentou três tiroteios com o grupo de Lampião, na Fazenda Bom Nome, entre os quais tomara parte o subchefe “Pancada” e seus comandados. No dia seguinte, Pancada, separando-se do grupo de Lampião, e tomando rumo diverso do de Lampião, passou pela Fazenda Novo Gosto, da qual era vaqueiro Joca Bernardo, coiteiro de confiança dos bandidos. Pancada perguntou a Joca Bernardo se Zé Calu passara por ali e o que havia dito, sendo informado que Zé Calú dissera haver combatido com o grupo de cangaceiros e botado Lampião pra correr. Pancada faz zombaria do Sargento Calu, que nem sequer conseguiu acabar com a dança dos bandidos, na Fazenda Bom Nome.
Desejoso de saber o paradeiro de Lampião, a fim de delatar, Joca procura indagar de Pancada, onde estaria o Capitão (Lampião), sendo informado que Virgulino devia estar em Sergipe.
No dia 25 de julho, Joca seguiu a cavalo para a Vila Entremontes (AL), de onde, em lancha, partiu para Piranhas, onde daria a denúncia que, sob o ponto de vista moral, é tida como um benemérito e, julgados por outros como um repelente traidor. Sim, porque, afinal de contas, várias pessoas viviam às custas de Lampião.
Afirmam algumas pessoas que Joca procedeu assim forçado pela polícia, com o dilema de por a polícia no coito de Lampião ou ser morto.
Joca logo chegou à cidade de Piranhas, procurou o Tenente Bezerra, sendo informado pelo Sargento Aniceto que Bezerra se encontrava em Pedras (hoje Delmiro Gouveia). Este interesse pelo encontro como Tenente Bezerra despertou em Aniceto o mais vivo interesse, pelo que convidou Joca para uma conversa mais sigilosa, em sua própria casa. Então, Joca, ao ouvir a afirmativa do Sargento Aniceto de que Lampião devia estar na Várzea de Dona Joana, diz: “Vocês estão enganados. Lampião está bem perto de nós. Eu não sei bem, mas tem quem saiba. Aperte Pedro de Cândido, mas aperte mesmo, que ele vai descobrir onde está Lampião”. Após esta denúncia, Joca regressou para a fazenda Novo Gosto.
Na quarta feira (27), quando a volante do Tenente João Bezerra ainda se encontrava em Delmiro Gouveia (Pedras, na época), o Sargento Aniceto Rodrigues, mais ou menos às 10 horas, no auge do movimento da feira, fez descarregar um caminhão que conduziria sal de cozinha para o Estado de Pernambuco, dizendo em alto e bom som, para que a notícia se espalhasse e chegasse ao conhecimento de Lampião, que seguiria para Pedras (Delmiro), a fim de encontrar-se com Bezerra, e seguirem, juntos, para um combate com Lampião na Várzea de Dona Joana. Os coiteiros que ouviram isso, se apressaram em ir ao Angico e dizer a Lampião: “Aqueles bestas (referindo-se à polícia) foram à sua procura na Várzea de Dona Joana”. O mais interessante é que enquanto Pedro de Cândido conversava com Lampião, aproximou-se o bandido Zé Sereno, advertindo Virgulino, mais ou menos assim: “Capitão, já é tempo de sairmos deste coito. Estamos aqui há nove dias. Isto é perigoso”. Mas, Lampião, batendo a mão no ombro de Pedro de Cândido, responde: “Enquanto eu contar com este coronel, só tenho medo dos castigos de Deus”.
Antes de tomar o caminhão o Sargento Aniceto telegrafou sigilosamente para o Tenente João Bezerra: “Boi no Pasto. Siga Urgente”.
Nas imediações de Olho D´Água do Casado, encontraram-se os dois e combinaram que somente à noite deviam se aproximar de Piranhas. E assim fizeram. De Piranhas, em três canoinhas, rumaram para a Fazenda Remanso, e dois soldados (Elias Marques e Bida) foram buscar Pedro de Cândido, na Vila Entremontes, o qual já estava preparado para viajar a Propriá (SE).
Em uma ponta de rua de Entremontes, já se encontrava o outro comandante da volante, o Aspirante Francisco Ferreira de Mello, a quem Pedro de Cândido insistia em negar a verdade. Foi então que o Aspirante teve que empregar meios mais violentos, dizendo que naquele dia, ou ele (Aspirante) ou Pedro de Cândido ou Lampião seria morto. Saca um revólver dizendo que lhe concede somente cinco minutos para se decidir. Dessa maneira “tão convincente”, Pedro de Cândido achou mais prudente contar a verdade e dali atravessaram o rio e foram inquirir um outro irmão de Pedro de Cândido, Durval, o qual confessou que Lampião pretendia se retirar do coito no dia seguinte (5ª feira).
O Tenente João Bezerra propõe pedir reforço e fazerem o cerco, dizendo: “Aquele negro é perigoso”, referindo-se a Lampião. O Aspirante Ferreira argumentou que o número de soldados era mais ou menos igual ao de cangaceiros, não havendo, portanto, motivo para se fugir ao combate, deixando passar tão boa oportunidade. Fez sentir, ainda, ao Tenente Bezerra, que ele combateria com seus 18 comandados, enfrentando Lampião. O Tenente Bezerra resolveu aquiescer. Seguiram para o cume do serrote. Ali próximo se dividiram as volantes em quatro pelotões: um comando pelo Sargento Aniceto, outro sob o comando do Sargento Juvêncio, o Durval seguiria com o pelotão do Tenente Bezerra e Pedro de Cândido acompanharia o pelotão do Aspirante Ferreira.
E fizeram o cerco na madrugada dedo dia 28 (quinta-feira), tendo ficado preestabelecido que o primeiro tiro seria dado pelo Tenente Bezerra. Quando, porém, um dos cangaceiros que se achava apenas a uns dois metros de distância do soldado Noratinho, levantou-se e se espreguiçava, o militar não teve outra alternativa se não atirar no bandido, fugindo, assim, ao programa preestabelecido. Iniciou-se o tiroteio o tiroteio, do qual resultou a morte de onze bandidos, inclusive duas mulheres: Maria Bonita e Enedina.
O bandido Zé Julião conseguiu furar o cerco. Recuperou-se e entrou na política, chegando a ser candidato a prefeito do município de Poço Redondo. E, porque, nas lides políticas talvez empregasse os métodos da habitual arrogância do cangaço, foi assassinado algum tempo depois. Quem o conheceu na intimidade, como o Capitão Moacir Nunes, afirma tratar-se de um homem correto, dentro da relatividade das coisas.
E ele dizia aos amigos que Maria Bonita, já fora do cerco, lhe disse que iria se entregar à polícia, alegando que não queria viver sem seu companheiro Lampião, ao que ele, Zé Julião, aconselhou-a no sentido de não cometer tal loucura, pois se o fizesse, seria assassinada. E quando ainda se podia por dúvida a tal respeito, eis que no sul do país, um outro bandido de nome Balão, em entrevista concedida à revista Realidade, em novembro de 1973, diz, também, que Maria Bonita entregou-se à polícia, depois da refrega.
E Zé Julião acrescentava: “Eu conversava com Maria Bonita, aconselhando-a a não se entregar à polícia, quando em nossa frente surge Luiz Pedro que, também, escapulira do cerco. Foi, então, que Maria Bonita disse a Luiz Pedro: Você não dizia que morreria junto com o seu compadre?” Luiz Pedro, num ato corajoso, dá meia volta, sem pronunciar uma palavra sequer, e volta para dar cumprimento à palavra empenhada ao chefe, amigo e compadre. Matou-o o solado Antonio Jacó. Luiz Pedro ainda desfechou toda a carga do mosquetãona craibeira, na qual estava amparado o soldado Antonio Jacó e no momento em que recorria ao parabélum, o soldado desfechou-lhe certeiro tiro.
Antonio Jacó despojava o bandido de anéis e relógio quando por ele passava o Tenente Bezerra, pedindo que Antonio o acompanhasse. “Este cabra é muito rico”, responde-lhe Antonio Jacó, mas o Tenente lhe diz que tudo que o bandido tiver é dele, Antonio Jacó. Não confiando muito na promessa, Antonio Jacó decepa a mão cheia de anéis de Luiz Pedro, colocando-a o bornal. Toma conhecimento que o Tenente está ferido em um pé. Tratam de decepar as cabeças dos bandidos e Antonio Jacó joga fora a mão decepada de Luiz Pedro, depois de retirar dela todos os anéis.
Percebem, então, que alguém continua atirando contra a força policial, pelo que o Tenente ordena deitar corpos. O soldado Adrião deve ter morrido de um tiro recebido nessa ocasião. Localizam na direção de onde vinham os tiros e dão duas ou três rajadas de metralhadoras. Acercam-se do local e encontram um homem que se agarra a um xique-xique , no afã de alcançar o mosquetão, por ele jogado a distância, quando recebera o impacto dos tiros de metralhadora. O Tenente pergunta: “Como é seu nome, bandido”, ouvindo a resposta: “Como é seu nome o que, cabra sem vergonha, traidor...”. É então que o Tenente Bezerra ordena à soldadesca liquidar com o bandido. Era o bandido de nome Elétrico, que momentos depois morria.
Maria Bonita foi morta pelo soldado Cecílio. Fizeram-lhe estragos horríveis nas partes pudendas. O Tenente Bezerra não aprovou aquela desumanidade e tudo fez para saber quem era o autor daquela selvageria, não o conseguindo.
Dizia Pedro de Cândido que quem alvejou Lampião foi o Aspirante Ferreira e que, quando Lampião recebeu o tiro, segurava uma caneca, ignorando-se o conteúdo.
Entretanto não há certeza absoluta de quem teria dado o tiro que abateu o Rei do Cangaço. Os fatos reais ocorridos com Lampião e seus cangaceiros passam, com o fluir dos anos, de geração a geração.
Incêndio provocado por Lampião, em Meirus. Foto: Reprodução
Incêndio provocado por Lampião, em Meirus. Foto: Reprodução
Pão de Açúcar e o cangaço
Os últimos quatro anos de vida de Lampião, ele passou frequentando os municípios de Pão de Açúcar, Piranhas, Poço Redondo e Canindé do São Francisco. Ele era acobertado por abastados fazendeiros da região.
Em Pão de Açúcar, terra onde contava com as amizades de Joaquim Cruz Rezende (proprietário da Fazenda Lagoa da Vaca), Manoel Alves Carvalho (“Quinho” - proprietário da Fazenda Santo Antonio), Lucilo Gomes de Carvalho Mello (proprietário de uma fazenda em terras do Sítio Rua Nova) e de alguns patriarcas da tradicional família “Bié”, entre outros, Lampião, Corisco e seus comandados frequentavam, também, com certa frequência, as fazendas Novo Gosto, Beleza, Bom Nome, Emendadas, quando de passagem para o vizinho estado de Sergipe, ora utilizando os portos de Santiago e Jacarezinho, ora partindo dos portos das localidades Boqueirão, Ilha do Ferro e Entremontes.
Histórias narradas por alguns moradores dos povoados Meirus e Rua Nova, a exemplo da Mestra Dadá, hoje com 91 anos de idade, confirmam a passagem por estas localidades do grupo de cangaceiros comandados por Corisco, inclusive com práticas de sequestro de um morador (fato ocorrido no Povoado Meirus), espancamento de uma mulher por ter cortado os cabelos (fato ocorrido na estrada que liga Rua Nova a Boqueirão) e a extorsão ao fazendeiro Lucilo de Carvalho Mello, cuja fazenda ficava localizada no Povoado Rua Nova.
Em Meirus (na época Campo Alegre), zona rural de Pão de Açúcar, aconteceu um triste acontecimento, no dia 12 de janeiro de 1927, quando um grupo de cangaceiros chefiados por Lampião assalta o povoado, incendiando o beneficiador de algodão de João Pereira de Mello, depois de haver matado a tiros 102 cabeças de gado bovino, na fazenda Bom Conselho, do proprietário Luiz Gonzaga de Campos Machado. É que, em resposta a um bilhete de Virgulino, no qual exigia certa quantia do fazendeiro Mário Vieira, Juca Feitosa e Manoel Campos, além de se negarem à remessa do dinheiro, endereçaram uma carta para Lampião, dizendo que “se quisesse tirar raça de homem valente, mandasse a mãe dele aqui para Pão de Açúcar”. Do Povoado campo Alegre (Meirus), Lampião rumou para a Fazenda Brás, de Leopoldo Amaral.
No dia 02 de dezembro de 1930, Lampião e seu grupo pernoitam na Fazenda Quixaba deste município, conduzindo, presos, o Coronel João Nunes, da polícia pernambucana, e Gustavo Limeira. No dia seguinte, seguem para o Povoado Ilha do Ferro, de onde, na canoa “Americana”, atravessam o rio São Francisco. Em Bonsucesso (SE), Lampião resolve soltar os dois presos, face à palavra empenhada do Coronel João Nunes, de que o dinheiro exigido para a sua liberdade chegaria logo.
Em agosto de 1934, o grupo de bandidos, chefiados por Corisco, entra no Povoado Campo Alegre (Meirus), sem causar danos. Na residência do senhor Elvécio Duarte, Dadá e outros bandidos sustiveram nos braços uma criança de cinco meses de idade, Ivanize de Castro Duarte, que durante um longo período assumiu o cargo de coordenadora da 8ª Coordenadoria Regional de Ensino de Alagoas.
No dia 23 de junho de 1935, o grupo de cangaceiros, composto por Zé Fortaleza, Medalha, Suspeita e Limoeiro, conduz, preso, para a Fazenda Solenidade, o velho Vitório e, seguindo para a Fazenda Horizonte, matam o referido ancião e castram seu filho, conhecido como “Beijo”.
No dia 24 de junho de 1935, na Fazenda Torrões, zona rural de Pão de Açúcar (na época), foi assassinado Otacílio Campos, pelo grupo de bandidos chefiado pelo cangaceiro Luiz Pedro.
Em agosto de 1935, na Fazenda Beleza, zona rural de Açúcar, do proprietário João Machado (na época), nasce uma criança do sexo masculino, filha do casal de cangaceiros Corisco e Dadá. A criança foi doada ao Padre Bulhões, da Paróquia de Santana do Ipanema, pelo casal Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, e Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, que criou o menino e o registrou com o nome de Silvio Bulhões, sendo este pão-de-açuacrense e santanense, professor e economista, considerado, ainda, um dos grandes historiadores do cangaço, em Alagoas.
Na Fazenda Beleza, os cangaceiros se arranchavam e passavam semanas descansando, dançando e fazendo farras debaixo de árvores frondosas.
Em 19 de setembro de 1935, os cangaceiros Zé Fortaleza, Medalha, Suspeita e Limoeiro, foram mortos por Antonio de Amélia, na Fazenda Aroeiras, na zona rural de Pão de Açúcar.
Joaquim Rezende e o repórter Melchíades da Rocha. Foto: Reprodução/Google
Joaquim Rezende, um amigo de Lampião
O Rei do Cangaço, por ser muito temido, gozava da amizade e o apadrinhamento de muitos fazendeiros, comerciantes e políticos influentes. Dentre os amigos constava o nome de Joaquim Cruz Rezende, que ao saber da passagem das cabeças dos cangaceiros por Santana do Ipanema, viajou para, segundo ele, reconhecer se Virgulino Ferreira da Silva havia sido mesmo exterminado.
Naquela ocasião, o alagoano e repórter do jornal carioca A Noite, Melchíades da Rocha, que se encontrava em Santana do Ipanema para fazer uma reportagem, o entrevistou e ele explicou com riqueza de detalhes como havia conhecido e conquistado a amizade e confiança de Lampião.
Neste texto publicado pelo blogueiro Ediberto Ticianeli (Blog do Ticianeli), no dia 4 de novembro de 2011, sobre a entrevista do então prefeito Joaquim Rezende, cujo relato foi publicado no livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, pelo jornalista Melcíades da Rocha, ele se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.
Fala o Coronel Rezende
Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido. Em resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.
Três dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o dinheiro. Não obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi que sim.
Dentro de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e "Nevoeiro". Ao ver o grupo aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o. O famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.
A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”. Tomamos, então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser, pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.
— Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava desse oficial da policia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos mais corajosos.
Joaquim Rezende - Salvo Conduto entregue por Lampião. Foto: Reprodução
Joaquim Rezende - verso do Salvo Conduto entregue por Lampião. Foto: Reprodução
Quanto às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto...”, fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua perseguição.
— Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.
Tratando-se de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não saindo para parte alguma.
Tal conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado cangaceiro. Ao ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.
Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.
Ex-sanfoneiro João Firmino. Foto: Reprodução/Google
João Firmino, o Sanfoneiro do Cangaço
Dava gosto frequentar a barbearia do senhor João Firmino (*1917 - + 2000), na Avenida Ferreira de Novais, vizinha à Banca do Peixe, porque o estabelecimento era o ponto de encontro dos amigos e amantes das histórias do cangaço. Todos os dias os amigos do barbeiro se reuniam para passar horas e horas conversando sobre este tema fascinante.
O ex-safoneiro de Lampião e de outros cangaceiros conviveu com muitos cabras de Virgulino e, por isso, era um entusiasta do tema, chegando a participar de um programa televisivo (TV Universitária do Recife) e a conceder várias entrevistas para jornalistas, pesquisadores do tema e estudantes. Ele foi o criador do bloco carnavalesco Os Cangaceiros e, depois que faleceu, o bloco ficou sob o comando do amigo Adalberto da Cruz, conhecido como “Bebé Gata”. Ainda hoje este tradicional bloco existe na cidade de Pão de Açúcar, passando de geração a geração. Sobre João Firmino, o pesquisador e escritor Marcelo Maciel de Carvalho escreveu e publicou em seu blog, em 21 de abril de 2016, que ele conhecia mais de 100 apelidos de cangaceiros.
“Na Terça-Feira, com um caderno em mãos e uma caneta, cheguei pela manhã na casa do velho João Firmino, era Dezembro de 1997. Começamos a conversar- Durante o nosso diálogo, o velho “tocador de Lampião” começou a me revelar um grande acervo que saía de dentro de sua lúcida memória – Falou-me, em mais de 100 apelidos de cangaceiros que conheceu de perto pessoalmente enquanto conviveu no seio do cangaço como sanfoneiro, sabia em verso e prosa como poucos até de onde procedia a maior parte dos cangaceiros, apesar de muitos negarem a localidade de origem.”
Cangaceiros ditos de Pão de Açúcar – AL
Velocidade
Retirana
Barreira (João Cabra Bom)
Cirilo de Engracia
Alagoano
Vinte e Cinco
Tirania
Pau Ferro
Cangaceiros ditos de Mata Grande – AL. Entre eles:
- Pedra Roxa
- Santa Cruz
Cangaceiro dito de Traipu – AL
Lembrança
Cangaceiro dito de Piranhas – AL
Vila Nova (era da localidade Poço Verde)
Cangaceiros ditos de Água Branca – AL. Entre eles:
Corisco
Benvindo
Antônio Rosa
Cangaceiros ditos de Carneiro – AL
Peitica
Mangueira
Outros cangaceiros que apenas diziam-se alagoanos
Pancada e sua mulher Maria Pancada
Criança e sua mulher Dulce
Pai Véio
Pavão
Pocoran
Cajarana
Sabão
Correnteza
Gato (marido de Inacinha)
Portugês
Zé Cego
Canjica
Cordão de Ouro
Olho de Gato
Laranjeira
Salamanta
Cobra Verde
Cangaceiros de Sergipe conhecidos do sanfoneiro João Firmino.
Cangaceiros ditos de Carira – SE
Balão
Moita Braba
Beija-Flor
Cangaceiros ditos de Canhoba – SE
Candeeiro (“Candieiro”)
Gorgulho
Penedo (era primo de Adília, mulher do cangaceiro Canário)
Cangaceiros ditos de Propriá – SE
Elétrico
Lavandeira
O então distrito de Poço Redondo (SE) se transforma na CAPITAL DO CANGAÇO, com mais de 30 cangaceiros no bando de Lampião. A partir de 1934, Poço Redondo foi sua joia mais preciosa no recrutamento de cangaceiros. Entre tantos, aqui estão os mais conhecidos do sanfoneiro João Firmino:
Zabelê (era primo do sanfoneiro João Firmino)
Novo Tempo
Marinheiro
Mergulhão (irmão de Sila)
Demodado
Cuidado
Diferente
Delicado
Sabiá
Caixa de Fósforo
Canário
Cajazeira (Zé de Julião)
Cangaceiros Baianos conhecidos do sanfoneiro João Firmino
Cruzeiro
Amoroso
Mariano
Meia Noite
Devoção
Juriti
Labareda (Angelo Roque da Costa)
Passarinho
Sabonete
Zé Sereno
Zé Baião (o carrasco de Chorrochó, o famoso ferrador)
Mané Moreno (o cangaceiro da palmatória)
Zepelim
Mormaço
Mourão
Cangaceiros Pernambucanos conhecidos do sanfoneiro João Firmino. Entre eles:
Jurema
Desbotado
Desconhecido
Cobra Preta (criado de Lampião)
Ponto Fino (Ezequiel, irmão de Lampião)
Moderno (Cunhado de Lampião)
Estrela Dalva
Sabino
Asa Branca
Quinta-Feira
Bem-te-vi
Zé Fortaleza
Mulheres Cangaceiras que o sanfoneiro João Firmino conheceu:
Além da baiana Maria Gomes de Oliveira – “Maria Déia”, a famosa Maria Bonita (*1911 + 1938), João Firmino conheceu as cangaceiras alagoanas:
Inacinha (companheira do cangaceiro Gato, ela dizia ser alagoana)
Maria Pancada (companheira do cangaceiro Pancada. O casal dizia ser alagoano da localidade chamada Capivara, zona rural de Batalha (AL), embora alguns historiadores afirmam que este casal é natural da Bahia)
Nenén (companheira do cangaceiro Luiz Pedro, dizia ser alagoana, porém, não dizia o nome do lugar onde nasceu. Neném era considerada a mulher mais bonita do bando. Por ser corada, ruborescia sangue no rosto. Alguns cangaceiros a chamavam, com todo o respeito, de “Rosa do Jardim do Paraíso”.
Dulce (foi a segunda companheira do cangaceiro Criança. Ambos eram alagoanos).
Cangaceiras Sergipanas)
Enedina (companheira do cangaceiro Zé de Julião, o Cajazeira - ambos eram Sergipanos de Poço Redondo)
Sila (era de Poço Redondo. Foi a segunda companheira do cangaceiro baiano Zé Sereno. A primeira companheira deste cangaceiro chamava-se Ilda. Era baiana e morreu de parto).
Rosinha (natural de Poço Redondo, foi companheira do cangaceiro baiano Mariano, um chefe de bando. Rosinha ficou viúva e despertou o interesse de abandonar o cangaço. Ela foi assassinada a mando de Lampião).
Adília (foi a companheira do cangaceiro Canário. O casal era natural de Poço Redondo)
Adelaide (nasceu em Poço Redondo e era companheira do cangaceiro Criança. Ela morreu de parto).
Áurea (natural de Poço Redondo, foi companheira do cangaceiro baiano Mané Moreno).
Maria (era de Canindé do São Francisco, foi companheira do cangaceiro baiano Juriti, que foi chefe de bando).
Cangaceiras baianas
Lídia (ela foi companheira do cangaceiro Zé Baiano. Mais tarde ela veio a ser assassinada pelo próprio companheiro, vingando-se de uma traição.
Dadá (era natural de Santa Brígida, foi companheira do cangaceiro alagoano Corisco, que foi chefe de bando).
Outras duas mulheres cangaceiras
Zefa (foi mulher do cangaceiro Canjica)
Sebastiana (foi a segunda mulher do cangaceiro sergipano Moita Braba. Suaprimeira companheira chama-se Lili e foi morta a punhaladas por Lampião. Lili traiu o companheiro Moita Braba com o cangaceiro Pocoran, o protegido de Lampião.
O sanfoneiro João Firmino, ainda tocou pessoalmente para os cangaceiros: Corisco, Mergulhão, Mourão, Delicado, Xexéu, Chã Preta e Labareda.
Outros sanfoneiros bastante requisitados por Lampião entre os sertões de Alagoas e Sergipe eram: Manoel Guilhermino, interior de Pão de Açúcar. Agenor da Barra, era Pão de açúcarense, mas na época do cangaço residia em Barra do Ipanema – Belo Monte-Alagoas. Elis bão era Sergipano ao lado de João Firmino tocaram por mais de 10 anos na fazenda Belém onde não faltavam cangaceiros todos os dias. Após 17 dias passados da morte de Lampião – 14 de Agosto de 1938, o sanfoneiro João Firmino ainda tocou na fazenda Belém para os cangaceiros: Vila Nova, Pavão, Criança, Pocoran, Novo Tempo e Desconhecido.
Pão de Açúcar: Rota dos Cangaceiros
A Câmara de Vereadores de Pão de Açúcar, em 19 de junho de 2015, aprovou, o Projeto de Lei nº 03/2015, de autoria do vereador Diomedes Rodrigues, que cria a Rota dos Cangaceiros no município de Pão de Açúcar.
Segundo o vereador Diomedes, que contou com a colaboração dos pesquisadores Helio Silva Fialho e Aderval Santos Souza (Xi-Kinho), o Projeto de Lei dispõe sobre a criação da “Rota dos Cangaceiros” no Município de Pão de Açúcar, tendo como ponto de partida o Povoado Meirus, com passagens pelas comunidades Rua Nova, Boqueirão, Emendadas, Bom Nome, Beleza e destino final o Sítio Novo Gosto, tendo, ainda, como pontos de visitas opcionais à Pedra do Navio, localizada no topo da Serra de Meirus, com objetivo de desenvolver o turismo rural e preservar a história do cangaço dentro do município. Na época, o projeto foi sancionado pelo chefe do Executivo municipal, porém, jamais saiu do papel.
E neste ano de 2018, o Nordeste comemora os 80 anos de morte de onze cangaceiros e um soldado pão-de-açucarense, na Grota de Angico, durante o fogo cruzado, nada mais oportuno que inaugurar a ROTA DOS CANGACEIROS, na zona rural de Pão de Açúcar, município que está ligado diretamente à rica e fascinante história do cangaço. Agora, com a palavra, a Prefeitura de Pão de Açúcar, a Secretaria de Estado do Turismo, a Secretaria de Estado da Cultura e a classe empresarial.
Fonte: Livro "História e Efemérides" - Livro "Lampião e IV Mandamento" - Livro "Gente do Meu Tempo" - Livro "Um Lugar no Passado" - Blogo do Ticianeli - Blog do Marcelo Maciel.
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